Viver na rua é um desafio, a saída para a falta de opção ou para a necessidade. Porém, mesmo longe das ruas, algumas crianças correm risco. É que o perigo pode estar num lugar que o pai e a mãe acham seguro: a própria casa. Dois irmãos que vivem na comunidade do Papelão, uma de 11 anos e outra de 5 anos, ficam sozinhos em casa quando a mãe deles sai. A garota, por ser mais velha, fica responsável pela casa e pelo irmão na ausência da mãe. Ela tem um plano para casos de emergência. “Se a porta estiver aberta, eu corro. Se estiver fechada, eu quebro a tábua e saio correndo, pois tenho medo de pegar fogo”, afirma a garota. Na última noite do Carnaval deste ano, a porta de outra casa da comunidade do Papelão onde moravam mãe, namorado e três filhos estava trancada. Miguel, de 4 anos, João Vítor, de 5 anos, e Sara, de 6 anos, estavam sozinhos quando um incêndio destruiu o barracão. A mãe das crianças, Sandra, tinha ido catar latinhas para vender, o meio que encontrou para sobreviver. Ela foi presa e liberada pra ir ao enterro de três dos oito filhos que teve, onde desmoronou diante dos caixões brancos. A mãe das crianças foi solta logo depois, mas ficou aprisionada à culpa e à dor. Na comunidade do Papelão e em toda a vizinhança, o drama da família mudou rotinas e serviu como uma lição. "O drama que os pais sentiram, a mesma coisa foi a comunidade em peso dos Coelhos, como o Coque. Serviu de lição para cada mãe e pai ter mais cuidado. Realmente, as pessoas cuidam bem da criança, mas têm de buscar um fim lucrativo para sustentar e então deixa os filhos com o maiorzinho para correr atrás do pão do dia a dia. Isso é comum e nessa comunidade também e eu tenho certeza que em outras também é mesmo assim”, afirma o líder comunitário Carlos Barra. A doméstica Maria da Conceição da Paz ficou com medo de arriscar. ‘Faz medo, qualquer coisinha, pega fogo em todo, que isso aqui é tábua. Aí eu fico com medo e não saio mais”, conta. As mães que não têm com quem deixar os filhos podem recorrer às creches municipais, destinadas a crianças menores de 6 anos. O telefone da Gerência de Educação Infantil para informações sobre vagas é 3355-5957. VIDA NAS RUAS x VIDA NO ABRIGO A vendedora de acarajé e tapioca Rosemere Silva Manso teve que sair às pressas de casa. É que a estrutura do local, feita de tábua, caiu. Ela foi então para a praça em frente ao Cemitério de Santo Amaro, onde se abrigam também homens adultos que ela nem conhecia. Como o marido está preso, ela se mudou com os três filhos para a praça e tentou fazer do lugar um lar. O mais difícil é a escuridão. “É sempre ruim à noite. Porque eu lembro da vida todinha, de noite, quando meus filhos estão dormindo, para não me verem chorando”, diz. Outra dificuldade é o perigo que a família corre no local. “A praça é um lugar onde o tráfico ocorre, o consumo de drogas também. As pessoas [que vivem no local] estão expostas a todas as intempéries, chuva, frio, calor. E o mais sério, mais grave, que é essa exposição aos usuários de droga, à violência e à violência sexual também”, explica a educadora social Deyse (foto 2). Na conversa com a equipe do Instituto de Assistência Social e um conselheiro tutelar, Rosemere Silva aceitou trocar a praça por um abrigo da Prefeitura do Recife. A condição foi não abandonar a cadela Nega. E ela embarcou junto com toda a família e a mudança, que coube inteira na mala do veículo. Nega vai voltar para as crianças quando elas tiverem uma casa outra vez, prometeram os assistentes sociais. A primeira parada da família foi o Conselho Tutelar, onde é preparada a documentação para o que se chama de abrigamento. A segunda foi o Abrigo Recomeço, onde a mãe pode juntar os pedaços das certidões de nascimento antes de retomar a vida. Nesse abrigo, já estão 27 e seus filhos — ao todo, são 17 crianças. As de Rosemere Silva se animaram ao conhecer o quarto que vão compartilhar com as outras famílias. O Abrigo Recomeço é apenas uma das dez casas de acolhida da Prefeitura do Recife. Há casas para homens, mulheres, meninas e meninos, e os adultos têm liberdade para sair quando desejarem. Já as crianças e os adolescentes só podem sair com ordem do juiz. Atualmente, há 63 nos abrigos. Um deles, localizado no centro do Recife, é para meninos de 7 a 12 anos que foram vítimas de violência doméstica ou abandono. O esforço é para dar a essas crianças novamente uma família, de preferência a de sangue, mas não é fácil. “Às vezes, a gente tira as crianças da rua, mas a rua não sai dessas crianças, não sai desses adolescentes. Então o nosso trabalho é de ofertar essa proteção e de estimular que esse adolescente aceite ou essa criança aceite essa proteção como algo possível na sua vida,que tantas vezes é tão desprotegida”, afirma a diretora de proteção social especial de alta complexidade, Edna Granja (foto 3). É difícil, mas não é impossível. Mesmo porque muitas dessas pessoas sonham. E quem sonha não está vencido. “Meu grande sonho? Ser trabalhador, trabalhar em qualquer empresa. Quero terminar os estudos direitinho, arrumar um emprego, ser alguém na vida”, diz uma das crianças. Nesta semana, a equipe do NETV visitou o abrigo para saber como Rosimery da Silva (foto 5) e as crianças estavam. A boa notícia é que elas voltaram a sorrir. A mãe quer aproveitar esse tempo no abrigo para juntar dinheiro e reconstruir a vida. Há 20 dias no Abrigo Recomeço, a família está bem à vontade. As crianças de 7 e 8 anos continuam na mesma escola onde já estudavam. Já a mais velha, de 12 anos, agora está matriculada em um colégio. Um carro do abrigo leva todos para aula. Já Rosimary da Silva não é a mais a mesma. De cabelos curtos, agora usa brincos e está com a autoestima muito melhor. Ela está se tratando contra a broncopneumonia e agora tem uma pasta cheia de documentos. Os registros de nascimento, que tinham sido destruídos, foram novamente tirados, com a ajuda das assistentes sociais do abrigo. Elas também deram entrada na solicitação para ter acesso aos benefícios da Bolsa-Escola. O dinheiro do Bolsa-Família, que ela já recebia, agora sobra um pouco e ela vai economizando. De fato, as coisas começaram a mudar para a família. “Mudou quase tudo praticamente, porque vivia sofrendo na rua. Estou sossegada. Meu plano agora é alugar um cantinho para morar”, conta Rosimery da Silva.
Fonte:PE360graus
Por:Alana Oliver
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